terça-feira, 14 de setembro de 2010

A melhor das viagens



Fechei meus olhos, e quando os abri de novo, me encontrei em um lugar em que nunca imaginei me encontrar. As paredes pareciam feitas da mais delicada porcelana, e davam a impressão de que cada detalhe de seus desenhos em cores suaves eram feitos a mão, por um pincel extremamente pequeno. Me indaguei quem teria sido o genial e paciente artista que teria feito tal momumento. O teto era bem alto, esculpido em formas de desenhos que me pareceram arcos floridos, e algumas outras formas bastante angelicais. O chão tinha o piso todo detalhado, e os desenhos eram um tanto parecidos com os das paredes. Quem tinha planejado tal lugar era realmente paciente, detalhista e perfeccionista. Vários tecidos eram envolvidos do teto até as grandes pilastras que sustentavam todo aquele lugar. Este aliás, era o mais bonito que eu já tinha visto em minha vida. Olhei em volta, vários casais, todos completamente sofisticados, em vestidos longos e rendados, cheios de brilhos, e ternos que obviamente haviam saído da loja nesse mesmo dia. Estavam todos em uma elegância divina. Todos os rostos estavam cobertos com máscaras, das mais simples até as mais extravagantes, mas nenhum rosto estava nu. Tudo isso, para as pessoas do tempo em que eu realmente vivia, pareceria completamente tedioso e desinteressante, mas aquilo me atraía de uma forma extraordinária. Depois de reparar detalhe por detalhe da arquitetura, da decoração e das pessoas, resolvi olhar para mim mesma. Eu parecia uma daquelas pessoas, ninguém notaria que ali eu era uma total estranha. Meu vestido era suficientemente sofisticado para que eu fosse confundida com uma dama da alta sociedade. Era preto com uma seda branca entre suas partes. Havia um brilho sutil, e normalmente nenhuma ocasião suportaria tamanha beleza. Minha máscara era branca, brilhosamente prata, mas não era completamente extravagante, exceto por uma pena consideravelmente grande em sua extremidade direita. A única diferença que me faria ser notada, é que eu me encontrava sozinha no meio do salão, sem nenhum cavalheiro que me conduzisse em uma valsa daquele tempo perfeito para meus desejos. Então eu senti um medo, e mesmo com meu vestido lindo e minha máscara grandiosamente bonita, tive uma sensação de inferioridade. De que me adiantava estar vivendo algo tão bom, estar me sentindo tão bem se não houvesse ninguém com quem compartilhar tais fatos? Mas cinco minutos depois de alguns olhares perdidos, rápidos e suplicantes pelo salão, um lindo homem, com um dos ternos recém-comprados, uma máscara preta que realçava seus olhos extremamente azuis, porte de príncipe praticamente, barba para fazer e bela, nada demais que estragasse seu rosto, o cabelo penteado... enfim, um homem com quem eu sonharia todas as noites de minha vida, me tirou para dançar. Não era só seu ar que fizera perceber que ele era da época em que eu me encontrava, e não da que eu realmente vivia. Seus toques, o modo como me conduzia e se portava em relação á mim, suas palavras bonitas -e poucas-, seus olhares... tudo me fazia perceber que ele pertencia alí, aquela época na qual eu tanto desejaria pertencer, e não ao século XXI, onde pequenos garotos sequer parariam para escutar uma mulher, e torceriam as feições para uma dança lenta. A noite toda se seguiu assim. Foram danças e mais danças, sorrisos, olhares trocados, mais e mais pessoas extremamente elegantes, até que aconteceu o beijo. O beijo em que eu percebi que entregaria minha vida nas mãos daquele homem que eu sequer sabia o nome, sequer conhecia por completo. Aquele beijo unia sutileza, carinho, desejo, uma espécie de amor desconhecido. Mas então, depois de alguns segundos, eu me deparei beijando o ar, e o homem de meus sonhos desapareceu. Pouco a pouco, todas as roupas de galas e os rostos cobertos foram desaparecendo, até o momento em que eu estava sozinha no meio do salão milimetricamente desenhado. Mas este também desapareceu em questão de segundos, e eu me encontrei em um simples campo, com uma grama verde e uma vista plena para o horizonte, cheio de montanhas, logo abaixo do céu azul cheio de nuvens. Então eu, ainda com meu vestido perfeito e minha máscara -tais quais eram minhas únicas lembranças do baile perfeito que eu havia a pouco frequentado- sentei na grama, amassando um pouco desta, e permiti que meu corpo se deitasse, fazendo meus olhos fitarem as nuvens e imaginar formas para elas. Logo em seguida fechei os olhos e levei meus dedos aos meus lábios, os tocando levemente, e sentindo o beijo que eu havia ganhado daquele homem que em pouco tempo virou ilusão, e isso me permitiu sorrir. Então abri os olhos, e eu me encontrava em meu quarto. Tudo que vi foram meus aparelhos eletrônicos e meu amigo elefante de pelúcia, coisas que me faziam ter certeza que eu já estava no meu próprio tempo, o tal século XXI. Não queria isso, eu não pertencia a tal época. Eu queria mais bailes como aquele, queria um homem com aquele porte e a companhia dele num campo como aquele, após sairmos exaustos de tanto dançar de um daqueles salões magnificamente lindos. Talvez uma renda de meu vestido se rasgasse, o terno dele ganhasse uma pequena mancha, nossas máscaras caíssem, mas ainda assim, era o que eu queria, era como deveria ser. Mas de volta a realidade, levantei, coloquei minha roupa e segui minha rotina de andar entre passos apertados de pessoas me empurrando no meio de uma multidão, totalmente apressada e compromissada, me fazendo ter mais certeza do que eu já sabia: alí eu não pertencia.

Um comentário:

  1. Perfeito, você tem muito talento. Quem nos dera presenciar uma viagem tão perfeita assim

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